Vagarosamente eu subia aquelas pequenas ruas sinuosas e estreitas, onde cada pedra está repleta de histórias seculares, ia caminhando lentamente enquanto o olhar acompanhava cada pequena loja, exibindo suas mercadorias árabes: luminárias coloridas, artigos de couros, lâmpadas que parecem esconder Aladin, o gênio, e raros instrumentos musicais. Cada vez mais me sentia encantada com os coloridos tapetes pendurados nas portas, em cada pequeno recanto uma surpresa tentava escapar aos meus olhos; uma marroquina fazendo tatuagens belíssimas de Henna, os turistas desfrutando de suas cachimbas divertidamente como uma experiência cultural, as charmosas teterías (casas de chá), com suas saborosas infusões e doces tradicionais, a música vindo de artistas de ruas ou saindo das casas chamadas de “Carmen” que são rodeadas por um alto muro, todos brancos, que as separa da rua e que inclui uma pequena horta ou jardim.
Caminho diversas vezes pelo bairro de Albaicín, (ou Albayzín), um bairro da cidade espanhola de Granada, de origem andaluza, onde atualmente faço morada; sempre subo suas pequenas ruas, desenhando a colina vizinha à do Palácio de Alhambra, com seus 700 ou 800 m de altitude. Mas cada vez que começo a subir aquelas ruazinhas é como se meus sentidos fossem aguçados por seu ar cosmopolita e com olhos de primeira vez me deixo levar pelo encanto do bairro, considerado Patrimônio da Humanidade.
Nesse dia, no momento em que fui virar uma pequena esquina em direção ao famoso mirador de San Nicolás, de longe avistei uma moça com um chapéu charmoso, um sorriso atraente, sua pequena e magnífica máquina de escrever azul e forçosamente eu tentava ler a placa que estava diante de sua pequena mesa. Chegando mais perto meus olhos agora não escondiam o brilho e afeto do que eu estava lendo:
- Tú dame el tema, yo hago el poema (Você me dá o tema eu te dou o poema)
Instintivamente, meu sorriso largo se abriu e tomada pela minha sede de poesia pedi que fizesse meu poema. Foi então que um momento mágico se abriu diante de mim como um portal para outra dimensão e aquilo que eu pensava que seria escrito de maneira aleatória, levando somente em consideração a criatividade e improviso da artista, ela iniciou uma conversação…
Afetuosamente, com seu jeito meigo, embargada pela sua voz serena e tranquila, seus olhos profundamente fixos aos meus, começou a me fazer perguntas: de onde eu era, o que eu estava fazendo em Granada, como eu me sentia aqui… e como uma colcha de retalhos nossa conversa foi se costurando, fio a fio, e uma rede de cumplicidade em poucos minutos nos embalava.
Pega de surpresa e comovida com sua escuta ativa, falei de mim, dos meus sentimentos, da percepção maravilhosa de tantos encontros mas também da solidão em não poder desfrutar de minhas raízes. Ela, breviamente, falava e também compartilhava seus sentimentos de viajante.
Naquele momento, tomada por uma intensa comoção onde eu tentava conter minhas lágrimas, eu percebia que não era somente o poema que me afetava mas sim por estar partilhando com alguém que mergulhava em mim, e não só em sí.
Sua inspiração transbordava no interesse em mergulhar nos mares internos alheios e sem ao menos saber meu nome, com sua imensa sensibilidade estava disposta a me escutar com alma.
Já dizem alguns poetas-terapeutas que quando somos ouvidos, existimos, reconstruímos e renascemos.
Assim então nasceu meu poema, pela sensibilidade e encanto da artista @nuriaherrera, que como um ser iluminado, nessas minhas andanças por Albayzín, cruzou meu caminho e me regou com seu afeto, seu tempo, seu mergulho e sua alma.
“Fluxos do Mundo
As coisas como são,
E eu,
Cruzando o Mar.
Atrás
Minha mãe e minha casa e minha árvore
e a canção que me fez sonhar.
Sonho com um lugar.
Pessoas raízes que agarradas em mim, me fazem voar.
Passa a gente, passa.
Abraçam para sempre mas amanhã não estão.
E eu atrás de minha árvore e minha raiz com sorrisos diários a encontrar.
Canta o imigrante por onde passa seu coração e seu lugar.
Levar a pena com a alegria comendo juntos e em par.
As lágrimas de saudade e a água para brindar.
Até que o sonho se faça terra e ao despertar sinta meu o sol que me vem a despreguiçar”.
E naquele encontro, regado de uma intensa conexão, na pequena rua do encantador bairro de Albaycín, renasceu minha certeza de que o afeto e a escuta são revolucionários e aí está a cura do Mundo.
Por Gizele Cordeiro, uma psico-imigrante, afetada por cada encontro e conexões dos caminhos…
4 comentários em “Você me dá o tema e eu te dou o poema”
Muito lindo!
Gratidão João, pela presença e mergulho!
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