Quando me perguntaram se eu fiz o Caminho…
Há 02 anos e seis meses estou fazendo o caminho.
Para fazer o caminho abandonei minhas vestes já usadas pois nesse caminho eu não poderia mais vesti-las.
Abandonei minhas crenças limitantes de que minhas metas de vida deveriam basear-se única e exclusivamente em busca de status, sucesso e dinheiro e que a realização era alcançar a tão sonhada estabilidade e reconhecimento.E Só.
Para iniciar esse caminho fui apresentada à minha arrogância, essa que eu nutria diante das pessoas como se somente eu fosse possuidora de um saber exclusivo e caminho único.
Nesse caminho não houve espaço para máscaras, e acredite, retirá-las sangrou…sangrou…sangrou, até a última gota.
Retirá-las me obrigou a desconstruir as personagens que eu alimentava e uma personagem na qual eu me fundia, a máscara de psicóloga.
Essa máscara estava tão “encrustrada” que ao retirá-la, me vi frágil e exposta. Vulnerável. Perdi os sentidos…
Caminhar e olhar-me apenas como me sentia, percorrendo por esse caminho onde os peregrinos eram desconhecidos, onde Eu era desconhecida; o idioma era novo, a comida já não era a mesma e as chegadas incertas, muitas vezes minha alma sentia-se perdida.
Percorrer esse caminho ensinou-me profundamente que perder-se faz parte da vida e que o controle, Não.
Esse caminho me mostrou que adoecer profundamente quando confundimos nossas habilidades e funções com o que somos, é natural.
Que a depressão profunda é uma tentativa de cura do Ego quando esse adoece por não aceitar o novo e suas limitações e resiste através da culpa.
Percorrer esse caminho me obrigou a topar bruscamente com a minha onipotência e arrogantemente, sentindo-me Deusa, confusa, nas profundas e intermináveis dores desse caminho até alimentei a fantasia de finalizá-lo, para abrandar a minha dor.
Esse caminho foi e está sendo solitário.
Nesse caminho eu sou invisível.
E esse mesmo caminho me mostrou que não preciso ser vista para existir.
Nesse caminho eu descobri o verdadeiro significado da fé: Segurança absoluta!
E tive que admitir o quanto eu não a sentia.
Certeza absoluta de que “até os fios de nossos cabelos estão contados” e de que independente da nossa religião, é algo que não está nos livros, não está no conforto das teorias e de maneira alguma no controle e no conhecimento e muito menos no templo que frequentamos.
Sentir a certeza absoluta é entregar-se!
Entregar-se ao não saber sobre nós mesmos e o Mundo.
Entregar-se a um caminho interno, intenso e desconhecido.
Entregar-se e apesar das incertezas sentir-se segura.
E só na entrega é possível exercer o Amor.
Esse caminho me fez perceber que se realmente nos entregássemos a fé, o medo não ficaria nos apavorando, as incertezas não nos adoeceriam e não ficaríamos disputando a razão e seguramente as diferenças não nos ameaçariam.
Quanto sentimos certeza absoluta despertamos a confiança interna, profunda e intensa em tudo e em todos e principalmente em nosso caminho.
Quando sentimos certeza absoluta, respeitamos.
Não, esse caminho não foi criado por mim mas somente eu posso percorrê-lo, foi-me presenteado com confiança de que eu seria capaz de fazê-lo, construí-lo e reconstruí-lo quantas vezes fosse necessário.
Esse caminho me mostrou que estamos onde devemos estar, com as pessoas que devemos estar em relação ao que conseguimos Ser, a cada momento.
Esse caminho, nesse momento, me presenteou com a fé, a certeza absoluta de que tudo o tempo todo é mutável e apesar disso meus sentimentos permanecem estáveis e então me sinto segura, como sou e onde estou.
É quando a minha confiança no caminho é restabelecida.
O caminho me ensinou que é de minha responsabilidade perceber meus sentimentos e toda minha história que me trouxe até aqui assim como compreender o meu legado.
Nessas andanças e buscas o caminho me mostrou que eu precisaria atravessar o meu inferno de dúvidas, medos, inseguranças e legados para realmente aprender a me soltar, fluir e confiar. Confiar!
Mas o caminho também foi generoso, a cada história e encontro que me proporcionou me alimentando de afeto, trocas e aprendizados para continuar.
O meu caminho está sendo apenas sentir, Ser.
E esse sentir é ampliado no encontro igualitário com o outro, em um exercício de aceitação e compreensão, sem máscaras.
Se eu fiz o caminho?
Eu ainda estou fazendo o caminho e isso é apenas o que sei.
Ajoelhar aos pés de Santiago só foi para agradecer, profundamente, pois quando não consegui mais caminhar, pedi para que o caminho me levasse.
E ele me trouxe até aqui.
Ultreya é uma saudação entre os peregrinos para criar um ambiente de incentivo e força para continuar no caminho.
Ultreya peregrinos.
Confia!
Afinal, somos todos, apenas peregrinos desse Mundo.
Por Gizele Cordeiro, uma eterna peregrina, imigrante que vive na Espanha, mãe do Luiz, amante da Vida e apaixonada pela Psicologia.
2 comentários em “Me perguntaram se eu fiz o caminho…”
Lindo!!! Fico encantada com a profundidade da suas palavras, por trás de cada uma delas sei que há muita vivência, para que se conseguisse chegar até elas. Gratidão por compartilhar sua experiência conosco Gi🙏
Gratidão pela presença e partilha de sempre! 🌻🤗