Lá estava eu, entrando na cafeteria onde Audrey Tautou (Amélie Poulain) protagonizou um dos filmes clássicos franceses, que foi por muitos anos, um dos mais vistos do mundo (Perdendo depois para Os Intocáveis), dirigido por Jean Pierre Jeunet.
O Fabuloso destino de Amélie Poulain, me encantou pela sua singeleza e fotografia, fora da rota de eventos surpreendentes, o encanto do filme se encontra nos detalhes e no comum.
Sentir os detalhes com intensidade…
Amélie, com sentidos aguçados, cultiva o prazer em enfiar as mãos em sacos de grãos, quebrar a casquinha do crème brulée, jogar pedras no canal de St Martin…
O destino de Amélie se tornou fabuloso, talvez pela sutileza e milagre que acontece a poucos de nós, humanos, encontrar um sentido para sua rotina, suas ações e sua Vida.
Um sentido, vários sentidos; no sofá de seu pequeno apartamento, um sentido que vai se costurando à medida que Amélie Poulain encontra uma caixa escondida no banheiro de sua casa e decide devolvê-la ao dono, ao ver a reação de Dominique (Maurice Bénichou) que reviveu com lágrimas, sentimentos de sua infância tendo de volta seus pertences, Amélie encontrou o seu caminho.
E o caminho da pequena Amélie foi se costurando e se ressignificando através dessas histórias que cruzaram seu caminho.
Amélie, abandou o cárcere de suas própria história e aguçou seu olhar para enxergar as histórias dos outros, enxergar o outro; com tamanha intensidade e sensibilidade que essas mesmas histórias desafiaram seu medo de amar e entrega.
Essas histórias a libertaram.
Esse é um risco que corremos quando abandonamos nossas convicções, nossa zona de conforto e corremos em direção ao outro. Reconhecer nossos sentimentos nos espelhos que estão à nossa volta.
Em meio a essas reflexões, já havia chegado meu crème Brûlée, ao quebrar a sua casquinha crocante e açucarada e provar delicadamente o creme que adocicou suavemente meu paladar, envolvendo-o com certo encantamento pela sua leveza, um questionamento me absorveu: Qual história está por trás desse Crème Brûlée?
Comecei a olhar à minha volta buscando uma pista, ouvindo os barulhos frenéticos dos garçons guardando as louças, um jazz ao fundo e algumas pessoas chegando no local, meu olhar insistia em achar algum detalhe…
De repente, surge um sorriso gigante no salão, adornado por um rapaz negro com olhar intenso e que parecia o único a andar lentamente sobre o salão.
No mesmo instante, sem falar francês mas usando a linguagem universal: o sorriso, pergunto ao garçom sobre o chef; ele aponta para o rapaz à minha frente e eu tentando me comunicar com gestos, arrisco um elogio em inglês…
O Chef não pára de sorrir, embora transpareça surpreso em ser abordado em suas andanças costumeiras, provavelmente, quando vai espiar as expressões dos clientes ao provar suas delícias.
Encontrei Thierry Manda Ottou através do crème brûlée, no café des 2 moulins, só consegui descobrir que é da República dos Camarões , e de novo veio aquele meu pensamento: O Mundo é de todos Nós e se torna especial para aqueles que vivem com paixão e sentido pelo que faz.
Fiquei ao lado dele, tentei ensaiar algumas palavras, deixei um bilhete e sugeri que depois traduzisse, mas sabe quando sua lembrança só te traz emoções boas e você esquece que mesmo a linguagem limitando, o sorriso e acolhimento aproximam.
Assim deu-se nosso encontro, segundos transformados em eternos minutos de simpatia na tentativa de ambos enxergar e compreender um pouco a história do outro.
Perguntas ficaram na minha cabeça: Como será que ele veio parar em Paris? Por quais motivos escolheu a culinária? Será que ele assistiu ao filme? Como se sente quando come seu crème Brûlée?Com quem aprendeu a receita? O que deixa seus sentidos aguçados?
A noite seria pequena para busca de tanto sentido…
O Crème Brûlée me levou até Thierry e através desse sabor uma dúvida foi sanada: Ele tem paixão pelo que faz pois um sorriso não sai bailando pelo salão no final do dia, após um expediente intenso, tentando pescar sabores e olhares de satisfação dos clientes.
Nem acolhe uma desconhecida, que não fala a sua língua, com olhar e atenção de quem a compreende.
Eu não degustei apenas um crème brûlée em um dos lugares que sonhava visitar, eu enxerguei alguém através desse sabor e isso eterniza e dá sentido, além dos sentidos da minha história…
Amélie tinha razão:
“São tempos difíceis para os sonhadores”.
Mas são os sonhadores que mais enxergam o outro, dotados de alta sensibilidade e empatia que precisam, através de sua arte, tocar o outro.
Tocamos e somos tocados cotidianamente, pelas ações do outro…
mas o sentido…
Bem, isso cada um costura o seu! Só não permaneça onde não te faz sentido (Sentir)…
Gratidão Thierry!
Gratitude Thierry! Merci.