Meu sonho parido

Querido filho

Eu não sabia que a gente podia parir sonho.
Até você chegar sonho era como pipa e menino desavisado…
A gente lança, corre, pula, deixa o vento levar enquanto se diverte.Quando vê lá tá a pipa no alto, voando bonito e a alegria é tanta que a gente até esquece que foi a gente que botou lá, perto do céu, que é donde sonho nasceu pra estar.
Com você descobri que sonho tem mal estar, náuseas, barriga crescendo e um bocado de confusão no corpo da gente.
Hora de dormir é hora que dá fome; hora de trabalhá, vira hora que sono vem; e hora de xixi, bem isso num tem hora.

Ah e esse sonho é daqueles que deixa a gente bem confusa sabe, a gente chora em filme que é de rir, a gente ri em filme que era pra ter medo e medo a gente sente mesmo, é o tempo todo, um medo gigante de num dá conta de um sonho onde um pedacinho do nosso coração vai bater longe da gente… Igual menino serelepe que a gente não controla.
Descobri que há de ter paciência pra ver a carinha desse sonho, a gente até sente, o sonho dando um empurrãozinho aqui, uma reviravolta acolá, se acomoda nas costelas e a gente bota música, canta, dança e faz até uns rituaizinhos pra num deixá o sonho saí antes de estar acabado.

Porque sonho que vale a pena pra Vida toda, há que ficar de molho, ali, todo mergulhado em paciência e afeto.

Mas daí, como todo sonho a gente precisa mesmo é ir lá se conectar com a mãe terra, pedir uns conselhos porque a hora de parir tá chegando e a gente descobre que sonho de verdade, a gente nunca sabe nada sobre ele, a gente descobre na prática, uma  coisinha bem falada por aí, a bendita Fé.
A bendita fé só é posta a prova, quando a gente num sabe o que fazer; então, só nos resta agarrar nas mãos da mãe natureza e dizer: vamos que eu tô pronta!

E aí meu filho, tenho que te contar, ali eu descobri que pra sonhar a gente tem é que ser firme e suportar a dor.
Você já nasceu suportando a dor, sabia?
Isso já devia ser ensinado a gente desde cedo, que não existe vida sem dor… Mas a gente até esquece que nascemos como parte de um sonho, não é mesmo?
É meu filho, parir sonho dói; ela chega de mansinho, a gente vai se adaptando, se esticando, obedecendo o que o corpo (e o sonho) pede, a gente até entende que o sonho quer espaço pra crescer, porque sonho precisa de espaço meu filho.

Mas chega uma hora em que a gente mal se mexe, parece que de tão grande o sonho vai nos sufocar, então, corrí  pra debaixo d’agua e fui pedir ajuda a Iemanjá, porque nada como uma Mãe pra ajudar a parir outra Mãe.

Agarrei forte nas mãos dela e disse, vamos juntas que eu preciso é de força e entrega, deixei que a água fizesse o resto, acocorada no seu som e seu toque.
A entrega foi tanta, meu filho, que quase tu nasceu foi nos braços dela mesmo.
Mas como hoje em dia a gente tem medo de parir sonho sozinha, corremos para as mãos de quem ajudou a cuidar desse sonho.Outro aprendizado filho, ninguém  planta nem gesta sonho sozinho.  E claro, que quando a gente gesta sonho profundo, os encontros são com gente como a gente, que  gosta de dividir poesia, música e um bom vinho. Até hoje quando Ele me encontra na rua, grita bem alto: Giiii, desse sonho eu fui só o goleiro.

É o jeito dele te dizer filho,  que tu veio com tanta força de Vida, apesar da sua dor. Ele te agarrou com firmeza pra você num sair escorregando e atropelando um bucado de gente que veio ver como a natureza pode ser linda quando a gente deixa ela cuidar de parir nosso sonho sozinha.

Ele fala de você filho, sonho meu que nasceu como teu nome te batizou, um guerreiro de luz; que veio me ensinar que pra Viver e Sonhar, é preciso suportar e se entregar a dor.

Dor essa que pariu um sonho meu,  com olhinhos grandes, mãos miúdas e um coração acelerado brotando uma Nova Vida para sempre dentro de mim. Vida Minha de Mãe.

Dedicado a Luiz Cordeiro Bernabé, meu sonho parido, no Hospital São Paulo, Araraquara-SP. 16.03.2010.

Sonho parido e nascido também de Pai que semeou: Júlio Bernabé e com ajuda das mãos do amigo-médico-poeta: Fernando Vidal. #Gratidão

Por Gizele Cordeiro,

Amante de  pessoas, viagens, poeta, mãe do Luiz e psicóloga por paixão.