Por Gizele Cordeiro
Hoje faz um ano que “agarramos” a cauda do cometa.
O cometa é apenas um corpo menor do sistema solar, e nossa decisão de partir foi apenas mais uma das experiências que decidimos vivenciar nesse nosso sistema complexo chamado Vida.
Sob a mesma atmosfera difusa que um cometa passa a exibir diante do sol, nossa escolha envolvia um futuro incerto, diante dessa nova decisão: morar em outro País.
Atravessar fronteiras, internas e externas, e partilhar de uma nova cultura era algo que nos envolvia e motivava e ao mesmo tempo nos amedrontava.
Ultrapassar as fronteiras do comodismo, do espaço já conhecido e dominado, do trabalho já estabelecido, das máscaras agarradas à nossa identidade, parecia algo assustador.
O pensamento é o ensaio da ação, já disse Freud.
Nossos pensamentos alimentados por anos, se assemelhava a “cauda” do cometa, que assim como nossos sonhos, pareciam alimentados por pequenas partículas existentes mas que de tão raro ao olho nú, estava a milênios de quilômetros das possibilidades de acontecer.
Mas sim, eles existem e são possíveis.
Dedicar-se a olhar para o céu com mais frequência em busca daquele sonho único que criava borboletas no estômago, em que teríamos que decidir, foi um dos ingredientes que adicionamos ao nosso planejamento.
Sentir e vivenciar as mudanças necessárias internamente foi o primeiro passo, pois caminhar com a caixinha de sempre enquadrada na cabeça poderia apenas fazer com que caminhássemos em círculos.
E então começamos um processo de desapego do nosso ritmo e rotina, pouco a pouco, diminuindo o envolvimento no espaço que já não desejávamos pertencer.
A razão e planejamento foram apenas alguns recursos mas foi através da autopercepção, da partilha dos sentimentos mútuos e da construção interna do como desejávamos sentir e estar, que foram nossos guias internos.
Preparar-se para lidar com o desconhecido, ampliar os olhares para as possibilidades presentes e D-E-C-I-D-I-R, apesar do medo do novo e inesperado.
A primeira decisão e comunhão, foi a interna, e aconteceu muito tempo antes da partida.
E hoje completamos um ano que mudamos para a Espanha, um ano que agarramos a cauda do cometa.
Um ano em que o termo “zona de conforto” fugiu de nosso dicionário pessoal e nos trouxe congruência entre nossas palavras e ações, e não consigo descrever o quão libertador isso foi.
Um ano que comparados aos núcleos cometários graças aos compostos de gelo, literalmente o frio que não gosto e tive que me adaptar, às partículas de poeira, que foram as pequenas e muitas ações que construíram nossa vinda, e os pequenos fragmentos rochosos das ações humanas, fizeram com que esse ano se transformasse em dez anos de crescimento pessoal.
Um ano em que o Brasil continua sendo nossa eterna casa e escolhemos o Mundo como nosso quintal.
E o bom é que a gente pode sempre escolher onde permanecer pois aprendemos que quanto mais fronteiras ultrapassamos, internas ou externas, mais autonomia ganhamos para exercer a nossa liberdade de estar onde desejamos estar e ser o que desejamos ser.
E para isso precisamos aprender a nos refazer, ressignificar as más escolhas, como por exemplo não dominar a lingua do país de destino, não fazer aulinhas também conta como resistência…(gargalhadas) que só o autoconhecimento fará você perceber, adaptar-se à sua nova realidade e aceitar as perdas de toda decisão.
Sim, toda escolha incluem perdas.
É preciso ir se fortalecendo para perder o supérfluo- e isso leva tempo, abrir mão do espaço no qual você já não se encaixa, para se conectar ao que, com o tempo, se tornou essencial, e para isso começamos respondendo uma das principais perguntas que fazíamos sempre:
-Quais são os sentimentos, vivências e valores essenciais para nós?
E isso nos ajudou muito.
Hoje faz um ano, e sim, vivenciamos muitos momentos doloridos, daqueles em que ficamos mais vulneráveis e nos vimos sozinhos.
E a solidão se tornou berço do nosso crescimento. A solidão também nos mostrou quem realmente estava ao nosso lado, torcendo, apoiando e impulsionando esse nosso crescimento e ela veio trazendo consigo uma linha divisória dos que ficaram e dos que ainda trazemos em nossos corações.
Um ano de riqueza emocional graças ao multiculturalismo, às trocas de experiências, afetividade e “choques”, daqueles que desestruturam qualquer Ego dominante.
Histórias, estórias e encontros que recheiam nossa caminhada de afeto e partilhas.
Gente por toda parte, aguçando nossa riqueza profissional e espiritual…
Nos enriquecendo como Gente!
Como cantou Caetano,
“Gente espelho de estrelas,
reflexo do esplendor
Se as estrelas são tantas,
só mesmo o amor”
Sim, muitas estradas nos ensinaram a ampliar e mergulhar profundamente no Amor e empatia…
Muitas estradas percorridas, internas e externas, com momentos e experiências que apesar de tudo e graças a tudo que vivenciamos até o momento,
jamais voltaremos a ser aqueles que partiram…
Mas estamos aqui graças a tudo que fomos antes de partir.
E essa luz estelar preenche meu peito de gratidão, pela nossa história e por tudo que ainda podemos vir a ser.
E assim como os cometas, com uma grande e extensa variedade de períodos orbitais diferentes, variando de poucos anos a centenas de milhares de anos, soubemos aproveitar algumas oportunidades e momentos que só acontecem algumas vezes na vida (nas nossas e na sua, com certeza…)
E como não vivemos milhares de anos, só pela coragem – agir com o coração – de vivenciar nossas escolhas e experiências, me sinto plena!
Pois, “cada estrela se espanta à própria explosão…”
PS. Gratidão especial a minha amiga de todas as horas Simoni Karine Doy, sem você, eu não conseguiria.
E a família, imensa gratidão.
2 comentários em “No caminho dos cometas, fomos.”
Vida de expatriada, bem sei, tudo é ex em busca de pátria… Nunca imaginei ter essa experiência que me fez crescer e diminuir tanto ao mesmo tempo. No meu blog indico um livro “Atravessando o Oceano” e falo das minhas experiências no post Vida na Alemanha. Se ainda não viu e tiver interesse te convido para dar uma pesquisada por lá. Por fim, é como você disse “o mundo como nosso quintal”, não nossa casa. Gostei de acompanhar sua experiência e desejo tudo de bom por aí.
Que delícia Cristileine ter vc por aqui! Ainda mais com experiências intensas para partilha, pois assim é a Vida, intensidades… Vou apreciar seu blog sim. Grande abraço e sinta-se sempre presente em nossa casa.