Rubem Alves, em uma de suas crônicas, relata sua visita à escola da Ponte, em Portugal, e descreve seu encanto quando chega para fazer a visita e após a apresentação formal, o visionário José Pacheco, convida um aluno de 06 anos para que possa apresentar a escola ao escritor.
Uma escola na qual os alunos não são separados por séries ou idades mas por interesses, votam e participam na escolha das atividades e só se colocam a prova quando se sentirem prontos e seguros.
Em uma das salas ele cita um exemplo curioso e que me remete à reflexão sobre reciprocidade. Em cada sala de atividades existem dois cartazes:
Um escrito:
-Posso ajudar com _________
E outro:
-Preciso de ajuda em ________
Todos os alunos preenchem o quadro de acordo com as facilidades e dificuldades que encontram durante à tarefa, assim podem se organizar, constroem uma ajuda mútua em direção à realização de um objetivo comum.
Um método democrático baseado na construção da afetividade nas relações através das experiências.
Ali não gera-se expectativas; comunica-se, questiona-se, busca-se a compreensão pois a tarefa precisa ser construída de acordo com as possibilidades e limitações de cada um, respeitando as diferenças e são elas justamente que permitem a construção de algo novo e completo.
Não existe reciprocidade sem empatia pois é ela que permite a compreensão das potencialidades e limitações do outro, sem julgamentos mas com respeito à diversidade e boa vontade para colaborar, cada um da forma que conseguir, em benefício de um bem maior.
Ah se conseguíssemos ter a facilidade de comunicação, a inteligência emocional para verbalizar os nossos sentimentos e ter o convívio enriquecedor como os alunos da Escola da Ponte.
Agora, volta um pouquinho sua atenção para a nossa realidade e modelo escolar atual.
Temos uma escola onde a criança não é estimulada a ter iniciativas, onde deve -se obedecer às regras sem compreendê-las, onde recebem as atividades na maioria das vezes prontas e que muitas vezes não compreendem por quais motivos estão executando-as e nem a finalidade maior dessas atividades e ainda devem reproduzi-las de forma correta.
Como a criança não compreende ao certo o que esperam dela e é criticada cada vez que erra, seja nas atividades ou nos comportamentos, só lhe resta ESPERAR as coordenadas.
Esperar que lhe digam o que fazer, como fazer, dentro de um modelo de expectativas pré estabelecidos e começa a entender que se ela deve corresponder às expectativas escolares, sociais e familiar, isso também deve ser recíproco.
Como ela deve fazer tudo igual aos demais, logo, todos devem fazer igual a ela. Num sistema lógico que emocionalmente funciona assim:
Se eu satisfaço o outro, o outro deve me satisfazer, na mesma medida e proporção do meu desejo.
Onde há um sonho, existe um desejo, onde há desejo cria-se expectativas.
Crescemos achando que o outro deve satisfazer todas as nossas expectativas.
E arrisco ainda instigar mais as nossas reflexões, nesse modelo atual, cria-se uma sensação de vazio tão grande por não conhecer e ter sob domínio, ao longo desse trajeto, as minhas potencialidades e meu poder de construção, que coloco sob responsabilidade do OUTRO o preenchimento desse vazio.
Assim, quero que meu marido, meus filhos, minha família, meus chefes e colegas de trabalho, reconheçam e validem de alguma forma a minha importância e também correspondam às minhas expectativas dentro das relações.
E quando isso não acontece, sinto como se o meu valor estivesse se esvaindo entre os dedos, como se eu não fosse boa o bastante já que faço tudo certo, me comprometo e ofereço sempre o melhor de mim, correspondendo sempre as expectativas de todos.
Pois bem, agora vamos voltar e imaginar como uma criança da escola da ponte, talvez , tenha uma facilidade maior em construir suas relações, já que teve um modelo mais participativo.
Bora simplificar?
Vamos supor que uma dessas crianças cresça, e deseje uma relação mais afetuosa, por exemplo.
Uma pessoa que se considera co-construtora dessa relação em primeiro lugar vai considerar não só o seu desejo de afeto mas também o que desejo o outro, aí entra a “Santa” empatia.
-O que deixaria a mim e o outro feliz nessa relação?
-Quais atitudes podem partir de mim, para que juntos, possamos nos beneficiar dessa ação?
-Como posso dizer como me sinto ou do que sinto falta, sem acusar ou cobrar o outro?
A diferença do modelo da escola da Ponte, é que desenvolvem as crianças para se sentirem responsáveis, co-participativas e mais atuantes dentro das relações. Dessa forma, elas passam a conhecer suas capacidades e limitações através de suas próprias experiências e percepções e com isso ganham AUTONOMIA e aprendem a reconhecer a sua IMPORTÂNCIA dentro das relações.
Reciprocidade está totalmente ligado a benefícios mútuos construídos por duas ou mais pessoas, e se a responsabilidade, participação e cuidado na manutenção dessa relação for unilateral, essa relação passa a não existir.
Poeticamente falando, Rubem Alves, mais uma vez nos brinda com um poema lindo que exemplifica nossa atuação na reciprocidade.
“O que é que se encontra no início? O jardim ou o jardineiro? É o jardineiro. Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá. Mas, havendo um jardim sem jardineiro, mais cedo ou mais tarde ele desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo os sonhos estão cheios de jardins. O que faz um jardim são os sonhos do jardineiro.”
Na reciprocidade, você é o Jardineiro ou espera que lhe tragam um Jardim?
3 comentários em “Reciprocidade…”
Muito bom… gostei do tema e da maneira como você expõe. Até por se tratar de algo complicado, afinal, pessoas com opiniões diferentes, gostos distintos, pontos de vistas divergentes, conviver no mesmo espaço e dentro desse espaço estabelecer suas trocas… não é simples
Parabéns
Gratidãaaaao !
Melhor palavra que define o que estou sentindo após ler sobre o tema que pedi e que você Gizele escreveu com tanto carinho. Consegui me imaginar na escola da Ponte, com toda certeza deve ser um lugar incrível que estimula as crianças a desenvolverem o que tem habilidade e prazer em fazer, ao invés de se enquadrarem em nosso atual “modelo” de sociedade, onde somos estimulados apenas a ” reproduzir” sem “questionar”.
Certa vez pesquisei o significado de Reciprocidade: “Reciprocidade significa dar e receber, por isso, no amor a reciprocidade significa que o amor é correspondido.” Concordo plenamente com o significado e ainda consigo associá-lo ao texto, pois a escola Pontes baseia se também no amor para conseguir desenvolver a empatia e a reciprocidade nas crianças, estimulando os a dar e receber e também se alto aceitar.
Gi, que delícia de texto, reflexão e experiência. Resumindo que delícia passear no seu “jardim”, compartilhar conosco temas tão bons, sinto como se colhesse uma flor do seu “jardim” quando leio seus textos e absorvo informações e sentimentos tão gostoso.Obrigada pela reflexão <3
Gratidão pela partilha e presença!!! Brindemos aos nossos jardins internos! bjos no coração.